Ensaio - "Contra a interpretação", de Susan Sontag: o valor da arte pelo que ela é
Por Pedro de Souza
Susan Sontag foi uma das escritoras e críticas de arte mais influentes do mundo. Nascida nos Estados Unidos em 1933 e falecida em 2004, deixou uma obra ampla de diversos temas, passando pela ficção e pela não-ficção. Um dos maiores destaques da escritora foram seus ensaios sobre crítica de arte e, dentre eles, o mais conhecido certamente é "Contra a Interpretação", o qual dá nome à sua principal coletânea de ensaios, e será o objeto de análise deste texto.
Apesar de não ser o texto mais completo de Sontag (nesse sentido, "Sobre o Estilo" apresenta muito mais sobre seu pensamento), "Contra a Interpretação" é praticamente um manifesto. É a escritora chamando o leitor e o crítico a sair de sua zona de conforto e olhar para si mesmo como consumidor da arte, o convocando a valorizá-la de maneira plena.
Já no começo do ensaio, a autora reflete sobre as teorias gregas da arte. Para Platão, a arte era mera imitação da realidade e, por isso, tinha valor duvidoso e inútil, a não ser quando assumia outras funções. Para Aristóteles, ela não era inútil, pois serviria para despertar e purificar emoções perigosas. Contudo, o que as aproxima é o entendimento de que a arte é apenas representação, e que não tem valor por si mesma, ideia que perdura até os dias de hoje, e dá origem à separação entre "conteúdo" e "forma", sendo o primeiro essencial e a segunda acessória.
Sontag rechaça fortemente essa ideia. Para ela, a noção de "conteúdo" é extremamente danosa ao gerar o hábito da interpretação. Interpretar, nas suas palavras, seria o "ato mental consciente que utiliza determinado código" a fim de retirar um conjunto de elementos da obra, de modo semelhante a uma tradução. Ou seja, é a ação do intérprete de olhar para certos aspectos, e afirmar que, na verdade, eles representam outra coisa.
A gênese da cultura de interpretar a arte data do fim da Antiguidade clássica, quando se buscava reconciliar os textos antigos com uma sociedade que vinha questionando os mitos. Portanto, o primeiro pressuposto que se apresenta para a interpretação é a discrepância entre o sentido claro do texto e as exigências posteriores dos leitores, quando, nas palavras da autora "um texto passa a ser inaceitável, mas não pode ser descartado".
Evidente que, na contemporaneidade, a interpretação ganha traços mais complexos. Além do já citado objetivo de buscar novos sentidos, é fundamentada em um desprezo pelas aparências. Para Sontag, é um projeto reacionário e empobrecedor, a fim de tornar a arte submissa. Em marcante trecho, ela diz: "a interpretação é a vingança do intelecto contra a arte [...] Ao reduzir a obra de arte a seu conteúdo e então interpretá-lo, doma-se a obra de arte". Ou seja, um desejo de substituí-la por outra coisa.
Sontag aponta como diversos movimentos contemporâneos tentam fugir à interpretação: as paródias, as artes abstratas, as artes decorativas, e outras. Não é, porém, a única forma de resistência, uma vez que a arte pode se tornar tão direta, límpida e unificada a ponto de ser apenas o que é. Para ela, essa última opção tem como principal representante o cinema, o qual seria "entre todas as formas de arte, a mais viva, a mais empolgante, a mais importante no presente".
Um dos trechos mais inquietantes da obra da autora é quando, ao fim de Contra a Interpretação, ela discorre sobre a crítica. Invoca a necessidade de um vocabulário descritivo, e não prescritivo, das formas, de modo a dissolver as considerações sobre o conteúdo nas considerações sobre a forma, sem a arrogância intepretativa. Tão importante quanto isso é o valor da transparência, ou seja "sentir a luminosidade da coisa em si, das coisas sendo o que são". Por isso, a função da crítica é reduzir o conteúdo para ver a coisa, de mostrar como a arte é o que é, e não o que ela significa.
"Em vez de uma hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte".