Ingmar Bergman foi um diretor extremamente autoral. Criado em uma família muito cristã, em especial seu pai com quem mantinha uma relação não muito estável, o cineasta desde seus filmes menores no fim dos anos 1940 esbanjava um caráter questionador e existencialista. Mesmo criando melodramas semelhantes em estrutura narrativa no início de carreira, nunca abandonou temas não tão recorrentes para seu tempo, como a depressão, a natureza do amor, a relação entre arte e artista e, claro, a fé.
E é nessa última repartição que entra um de seus maiores clássicos (senão o maior) O Sétimo Selo, lançado em 1957. A premissa do longa-metragem tem como cerne o cavaleiro Antonius Block que, após retornar das Cruzadas com seu cínico escudeiro Jöns, vê sua terra assolada pela peste negra e é visitado pela figura personificada da Morte, um homem pálido como a Lua com vestes pretas. Tentando atrasar sua finitude, Antonius desafia o Ceifador para uma partida de xadrez (inspirada pela pintura de Albertus Pictor na Igreja de Täby) e, durante essa partida que dura todo o filme, planeja realizar pelo menos um ato de redenção pelo que fez na guerra, ao passo que questiona o silêncio de Deus perante os infortúnios da Humanidade.
É interessante notar como a estética dicotômica que Bergman adota na maioria de seus projetos (a fotografia em preto-e-branco contrastada) cria um paralelo com o objeto mais importante de O Sétimo Selo: o tabuleiro de xadrez. Mas não se limita a ele; a própria vestimenta de cruzado que Antonius usa mostra uma cruz branca sobre um fundo preto e, como já dito antes, a Morte é representada por essa mesma dualidade, a famosa expressão “branco no preto, preto no branco”.
Outro elemento narrativo interessantíssimo é aquele que dá título à projeção: os Sete Selos de Deus. “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve um silêncio no céu por cerca de meia-hora.” Com essa narração, o filme começa, em um contexto digno de análise. Segundo o Livro de Apocalipse do Novo Testamento, a abertura dos quatro primeiros selos convoca os Cavaleiros do Apocalipse, sendo o primeiro a Conquista, esbanjando uma falsa ideia de paz e tranquilidade, ao passo que o segundo, a Guerra, recebia uma espada para tirar a tal paz da terra (as Cruzadas). Já o terceiro era a Fome, seguido pelo quarto e último, a Morte, quase completando o contexto medieval que compõe o clássico de Bergman. Por que não totalmente completo? Porque faltam três selos a serem abertos, e o quinto traz de volta as almas suplicantes daqueles que morreram por causa da palavra de Deus, questionando porque Ele não os vinga. O sexto selo traz com sua abertura sinais do ceú, de que o Juízo Final está próximo. E o sétimo? Bom, sete anjos são convocados com suas trombetas e, ao soá-las, chega o Juízo Final.
Mas sem mais delongas, qual é exatamente o tema principal de O Sétimo Selo? A miséria medieval? A crise existencial? A peste negra? A redenção de um cavaleiro ao salvar uma família da Morte? Bom, na verdade, é tudo junto. Mas o tema que permeia toda a projeção é, claro, a inevitabilidade da finitude. Após assistir a quase toda a filmografia de Bergman, percebi que o diretor tem um certo fascínio por relógios, já que em quase 100% de suas obras, pode-se ouvir um tic-tac, ou um cuco, ou até mesmo sinos de uma igreja. Tudo representando a passagem do tempo.
Em O Sétimo Selo, temos primeiro o encontro com o cadáver no topo da colina quando Jöns vai pedir informações, os afrescos mórbidos na igreja que estimulam os fiéis a sempre recorrerem à salvação divina, a procissão de auto-flagelação que interrompe a alegre apresentação circense, a camponesa morta no celeiro de quem Raval rouba o bracelete, a garota que será executada por supostamente falar com o Diabo... Toda a trajetória de Antonius, Jöns, Jof, Mia e companhia apresenta uma espécie de memorando mórbido. Claro que, ao vermos tudo pela perspectiva de Antonius, temos a temática do Silêncio de Deus, também explorada por Bergman na Trilogia do Silêncio (composta pelos ótimos Através de um Espelho, Luz de Inverno e O Silêncio), que revela o medo do protagonista em cair na escuridão eterna, no vazio. Por isso busca algum sinal divino para voltar a acreditar. “Fé é um tormento. É como amar alguém que está no meio da escuridão mas nunca aparece, não importa o quão alto você chame.”
Mas acaba que no fim isso não é exatamente relevante, porque a Morte sempre estará lá, mesmo se for como um convidado indesejado no jantar. Mas pelo menos, Antonius conseguiu sua redenção ao distrair o Ceifador para Jof, Mia e seu pequeno Mikael escaparem. E assim, Jof vê ao longe mais uma de suas visões, a Danse Macabre, liderada pela morte que leva cavaleiros, circenses, ferreiros e camponeses em uma procissão solene.
“À frente vai o rígido mestre com a foice e a ampulheta. Mas o Tolo vem no final, com seu alaúde. E o rígido mestre, a Morte, ordena que eles dancem. Ela quer que fiquem de mãos dadas e que dancem formando uma longa fila.”
E assim como a dança, o olhar dicotômico perante a Morte aqui questiona: a efemeridade inevitável é realmente tão assustadora assim?