Adoráveis Mulheres, filme lançado dia 7 de dezembro de 2019, é uma adaptação cinematográfica do livro Little Women, escrito por Louisa May Alcott. Dirigido por Greta Gerwig (Barbie), o longa-metragem conta a história de 4 irmãs que, sob a ótica da diretora, exploram inúmeras áreas artísticas que, sobretudo na época em que o filme se passa, possuem um certo domínio cultural dos homens. Debate, portanto, a desigualdade de gênero na sociedade enquanto elabora um belíssimo coming of age de época que dialoga com as tradições do melodrama, cujo enfoque, aqui, são as relações familiares.
Nesse sentido, enxergo na primeira metade do filme um recorte crucial na construção afável do tom e da relação entre as irmãs. Não só por isso, mas, igualmente, num desenvolvimento de camadas nos laços que Jo tem com cada uma delas, sobretudo com Amy, que é, justamente, aquela com que a protagonista possui um grave desentendimento e, mais tarde, uma reconciliação ainda mais calorosa. Sob essa perspectiva, há também o estabelecimento de uma encenação que vai contrastar com a outra metade do filme. Nesse espaço de tempo, de certa forma longínquo ao do final do longa, tudo é suficientemente mais cordial e idealista. O melodrama, afinal, se vê na organização de um mundo mais simples; os afetos são descomplicados, as emoções florescem com facilidade, tudo soa como um mundo de esperanças, aventuras e descobertas. Isso é externalizado pelos acontecimentos de vivências cotidianas, conversas bobas e as cores confortáveis que cercam as personagens. Toda a graciosidade, no entanto, é rapidamente subvertida pela desilusão apática da vida adulta; as oportunidades de Jo são escassas, Amy vive um amor indesejado – tema esse que, cabe ressaltar, é típico às narrativas melodramáticas – Meg escolhe o amor ao dinheiro e, por isso, vive uma vida às margens da sociedade elitizada e Beth, a pequena que toca piano, vem a falecer. Essa divisão "anacrônica" que vai sobrepondo a esperança e o arder da juventude das meninas com a angústia e incerteza das mulheres adultas, potencializa aos poucos o melodrama e é externalizada pelo exato oposto de sua outra metade; se as coisas vinham sendo cordiais, aqui se inverteria e daria lugar ao pessimismo e às cores mortas. Assim, a obra nos joga às dores de cada uma das personagens, e dessa forma acompanha um desenvolvimento industrial e de opressão econômica que põe todas aquelas adoráveis mulheres nos dilemas típicos do romantismo e do melodrama moderno, que se desdobram na razão posta no mundo e na emoção que, do contrário, reside apenas no individual cerne sentimentalista dos personagens.
Por ter essa influência de viés romântico, há em Adoráveis Mulheres, da Greta Gerwig, um extremo afeto pela simplicidade. Nota-se em sua mise en scéne, por exemplo, o constante uso de "planos gerais", ou seja, sequências mais afastadas dos personagens que dão espaço ao ambiente e, portanto, nos localizam em detalhes naquele espaço, tal qual em um livro que busca detalhar cada área de um quarto, sala ou cozinha. Por outro lado, há nos planos detalhes, close-ups e, principalmente naquela cena em que Jo corre atrás de seu verdadeiro amor, um profundo âmago melodramático. A chuva, a trilha sonora - essa sendo um elemento basilar do melodrama, desde os teatros franceses do século XVIII - as expressões, tudo nos coloca nas emoções de cada uma daquelas jovens que se veem perdidas na razão - econômica - e na emoção - buscando, cada uma do seu jeito, a vida verdadeiramente desejada.
É, de certa forma, a individualização das dores de cada mulher que se viu impedida pela conjuntura social a fazer aquilo que ela profundamente quer. Jo é uma persona da qual podemos nos identificar facilmente. Gera um verdadeiro sentimento de pertencimento no telespectador, à medida que dialoga não só com as questões de gênero provindas das discussões levantadas por Greta Gerwig em seus filmes, porém, também, com as exageradas emoções que cercam cada um de seus relacionamentos mais pessoais e individualizantes, dando lugar ao acaso, aos efeitismos e, sobretudo, ao amor que vence cada diâmetro da desilusão previamente abordada na vida adulta.
Adoráveis Mulheres é um excelente melodrama de amadurecimento. Greta Gerwig elabora, a partir de algumas características basilares do gênero, uma obra verdadeira com todos aqueles que assistem. Verdadeira, todavia, não por retratar o real ou abordar uma estética realista sem-graça, mas por nos mostrar um sentimento plenamente verossímil.